Conceitos de Paulo Emilio são revisitados na avaliação de crítica atual de cinema
A permanência – ou não – das ideias de Paulo Emilio no pensamento crítico contemporâneo motivou o último debate da série dedicada à reflexão do ideário do renomado ensaísta e historiador de cinema. Sob a mediação do jornalista e crítico de cinema José Geraldo Couto, a mesa reuniu, nesta sexta-feira, 21, os pesquisadores e críticos Fernão Ramos, Carlos Augusto Calil e Luiz Zanin Oricchio, que aproveitaram o seminário para iluminar e desdobrar alguns dos conceitos mais conhecidos e controvertidos de sua obra.
Para o cineasta, crítico e professor da Universidade de São Paulo (USP), Carlos Augusto Calil, “é uma obra que ainda se revela, ainda não está completamente absorvida e sequer devidamente interpretada”. O ex-diretor da Embrafilme e da Cinemateca organizada por Paulo Emilio revisitou dois textos fundamentais – Uma situação colonial (1960) e O cinema no século (1970) – para analisar o país daquela época e compreender o que persiste do ideário paulemiliano na assimilação crítica do Brasil de hoje. “No primeiro ensaio, publicado no suplemento do jornal Estado de São Paulo, Paulo Emilio examinou a situação social brasileira a partir da tragédia da falência da Vera Cruz”. Segundo ele, “essa situação revelava a hostilidade que havia com a indústria nacional de cinema, já que o governo preferia subsidiar as produções estrangeiras em detrimento das nossas”, acrescentando que o cinema brasileiro da época não tinha autonomia nem condição alguma de competitividade e atestando que o cinema estrangeiro condicionava o nacional, introjetando-se na mentalidade de todos.
De acordo com Calil, esse ensaio constituiu a matriz do que veio a ser o mais emblemático dos seus escritos, justamente o texto Cinema: "Trajetória do Subdesenvolvimento", flagrando, já naquele momento, “o denominador comum entre mercado e estética, justamente a mediocridade, marca cruel do subdesenvolvimento”. O professor mostrou ainda como ali já estavam presentes também outras ideias centrais que irradiaram o pensamento paulemiliano, como a importância do público como fator a ser considerado pela crítica, além da “sua fé no poder da imaginação, já que ele, como crítico, dizia manter a esperança secreta de inventar certo”.
Ao comentar o segundo texto, “O cinema no século”, sublinhou que Paulo Emilio se valia de “artifícios estilísticos muito interessantes, usando a primeira pessoa, o que dá ao leitor uma sensação de proximidade”. No ensaio, aponta Calil, ao lançar a indagação de quando teria nascido o público cinematográfico, respondendo que surgira pobre e proletário, mesmo nos Estados Unidos. Segundo o crítico, o cinema é uma manifestação de passado já constituído, não tendo, portanto, ilusão quanto a seu “papel revolucionário”. Por fim, o professor avaliou que “hoje, além da revolução tecnológica avassaladora desestabiliza as plataformas, há um público jovem com dificuldades de jurar fidelidade a qualquer hábito, ideologia ou gênero cinematográfico. Temos um público flutuante em plataformas flutuantes”.
O historiador do cinema brasileiro e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernão Ramos, explorou o conceito paulemiliano de “mau filme brasileiro” e como isso repercute para o público em geral, aproveitando para apontar o que considera “esterilizar o pensamento em cinema no Brasil, ou seja, uma espécie de hipertrofia metodológica” – flagrada especialmente no meio acadêmico. “Percebo que se discute o que é história, mas não se faz história de cinema, e Paulo Emilio foi, além de potente crítico, um grande historiador”, lamenta, complementando que “hoje em dia, os estudantes fazem resenhas fílmicas meramente descritivas, não analisam nada”.
“A potencialidade reveladora do mau filme brasileiro” - destacada por Paulo Emilio em relação às pornochanchadas - foi a expressão escolhida por Ramos para provocar o debate, justamente por revelar “a boçalidade, a grosseria, a vulgaridade do brasileiro médio, ou seja, a nossa própria face no espelho”. Fernão defendeu a atitude corajosa do crítico em enfrentar “a dificuldade que temos de nos relacionar com nosso próprio rosto, nosso próprio ser”.
De modo contundente, o experiente jornalista e especialista em cinema Luiz Zanin Oricchio, atualmente presidente da Abraccine, assinalou alguns problemas praticados pela crítica atual. “Tem faltado aquilo que Paulo Emilio defendia – o real da obra, a paixão pelo concreto e a iluminação que o contexto agrega para a sua compreensão”, afirmou.
Para ele, “a crítica hoje, especialmente a acadêmica, padece de hipertrofia teórica, adoção excessiva de teorias, em que as obras são meras ilustrações, ou, então, sofre com um estruturalismo tardio, no qual persiste uma análise fílmica que propõe uma espécie de fetichização da própria obra, como se ela falasse por si, fosse imanente, não considerando elementos contextuais e biográficos que a cercam”. Segundo Zanin, “para Paulo Emilio, se um contexto não explica a obra, não deixa de iluminá-la”.
O jornalista alertou também quanto ao reducionismo perigoso disposto no “conteudismo” operacionalizado por boa parte da crítica: “é como se não importasse a estrutura da obra, mas sim a narração, a história, como ela reflete o mundo real, como se tal análise prescindisse até mesmo de assistir ao filme”. Para Zanin, “ao lermos as críticas de hoje, em geral, fica-se muito mais no esqueleto sem se chegar à carne do filme”, acrescentando que se faz fundamental empreender no exercício analítico o salto interpretativo, o salto da imaginação proposto por Paulo Emilio Salles Gomes".
ASSESSORIA DE IMPRENSA - FESTIVAL DE BRASÍLIA 2012
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