sábado, 22 de setembro de 2012

FESTIVAL DE BRASÍLIA 2012



Críticos de cinema comentam texto seminal de Paulo Emilio Salles Gomes
As singulares chaves conceituais, a personalidade intelectual marcante e o incisivo pensamento de Paulo Emilio Salles Gomes (1916 – 1977) – um dos maiores historiadores e teóricos do cinema brasileiro e o grande homenageado do 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – foram apresentados pelos renomados críticos Ismail Xavier e Alfredo Manevy, nesta quinta-feira, 20, no Kubistchek Plaza Hotel. Integrando o seminário “Paulo Emilio e a crítica cinematográfica”, que se estende até o dia 22, e mediada pela vice-presidente da Abracine, Ivonete Pinto, a mesa “Cinema brasileiro – atividade ainda cíclica” partiu do seminal ensaio “Cinema brasileiro: uma trajetória no subdesenvolvimento” para questionar se a produção nacional vive ainda de ciclos interrompidos ou já está engrenada em um processo de continuidade.
Para uma plateia atenta e numerosa, Alfredo Manevy falou sobre a atualidade do de Paulo Emilio, “esse grande formulador do cinema brasileiro”, acrescentando que “faço parte de uma geração que acessou esse pensador por meio de seus escritos, sou testemunha e produto disso”. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Manevy ressaltou a importância do conceito de “campo cinematográfico” lançado por Paulo Emilio, que compreende não apenas a produção dos filmes em si, mas um complexo sistema, o qual inclui o público, a recepção, a crítica, “a dimensão social, enfim”.
De acordo com o professor, Paulo Emilio apontou a dualidade entre arte e indústria, não de modo trágico, mas em sua “tensão real e produtiva”. Também chamou atenção para o caráter elegante, porém franco com que fazia crítica: “sua generosidade contemplava até mesmo os adversários, embora com o rigor afiado de sempre”. Outro aspecto sublinhado, em seus textos dos anos 70, foi o original exame da recepção dos filmes, ou seja, como as plateias reagiam às novas produções, especialmente a classe média emergente após o chamado “milagre econômico”. Por fim, Manevy reiterou a importância de Paulo Emilio no desenvolvimento de uma pensamento verdadeiramente crítico e comprometido com um desenvolvimento no qual a cultura é eixo dos mais estratégicos.
Uma verdadeira aula. Assim foi a participação no seminário de Ismail Xavier, um dos principais críticos e teóricos de cinema da atualidade, ex-aluno de Paulo Emilio e professor da Universidade de São Paulo (USP) desde 1971. Com absoluto domínio da obra e pensamento do mestre, discorreu com naturalidade sobre os principais aspectos teóricos lançados pelo ensaísta nos anos 60 e 70, aproveitando para esclarecer e melhor contextualizar conceitos que se notabilizaram, como “trajetória do subdesenvolvimento” e o par “ocupante-ocupado” .
Xavier explicou que o texto-chave de Paulo Emilio parte de uma concepção teleológica de subdesenvolvimento, na qual é entendido como “estado” e não “estágio”. Aproveitou também para elucidar que a oposição “ocupante-ocupado” foi mal interpretada na época, já que o autor circunscrevia essa dualidade sob a perspectiva de estratificação social e de ocupação/domínio territorial brasileira não sob a acepção imediata. “Na verdade, os fazedores do cinema novo eram ocupantes, e não ocupados como se diziam, simplesmente porque, em geral, provinham de uma situação econômica privilegiada, uma classe média bem formada, ou seja a própria esfera do ocupante”, esclarece.
Ao empreender um passeio panorâmico e retrospectivo pela história do cinema brasileiro, desde os filmes da Companhia Vera Cruz até as produções autorais do Cinema Novo e do Cinema Marginal, Ismail Xavier se valeu das proposições teóricas de Paulo Emilio para lançar suas próprias formulações, retomando o pensamento do crítico para relembrar a importância de se repensar a experiência social e o cinema ligado a ciclos e conjunturas específicas.
“O interessante é que Paulo Emilio não se colocou como porta-voz de nenhum movimento. Seus textos nada tinham de eufóricos, pelo contrário, eram disfóricos. Escrevia com força de estilo, uma habilidade incrível de trabalhar a ironia e a provocação”, avalia. Para Xavier, além de influenciar nomes fundamentais, como Glauber Rocha, David Neves, Gustavo Doria, Paulo César Sarraceni, uma de suas grandes contribuições foi seu “trabalho de delinear processos, empreender análises iluminadoras, estabelecendo coordenadas fundamentais para se pensar o cinema brasileiro”.
Para Ismail, outra proeza de Paulo Emilio era extrair da análise de “maus filmes”, “análises geradoras de lucidez”, contou referindo-se, por exemplo, à critica de “Pensionato de Mulheres”. Nas palavras do ensaísta, “o filme ruim, pelo simples fato de emanar de nossa sociedade, tem a ver com todos nós, e adquire muitas vezes uma função reveladora. Abordar o cinema brasileiro de má qualidade implica numa luta tenaz contra o tédio mas é raro que o esforço não seja compensado. O subdesenvolvimento é fastidioso, mas sua consciência é criativa”.
ASSESSORIA DE IMPRENSA - FESTIVAL DE BRASÍLIA 2012

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