segunda-feira, 27 de agosto de 2012

CINE TROPPO - SEMANA DE 24 À 31/08/12


CINE TROPPO
Marco Antonio Moreira Carvalho

Critica
“Ponto de Mutação”
 Ponto de Mutação (Mindwalk, EUA, 1990), dirigido por Bernt Capra, tem roteiro de Floyd Byars e Fritjof Capra, baseado no livro Ponto de Mutação (The Turning Point), de Fritjof Capra; a história para o cinema foi escrita pelo próprio diretor. Jack Edwards (Sam Waterston), um ex-candidato à presidência dos EUA, Thomas Harriman (John Heard), poeta em crise de meia idade e Sonia Hoffman (Liv Ullmann), uma cientista que se acha em recesso, afastada das atividades por decepção com o uso bélico de seu trabalho, encontram-se na cidade de Saint Michel, na França, aonde Thomas mora. O encontro entre os três se dá durante uma visita turística a um prédio medieval, na sala onde ainda está em funcionamento um enorme relógio mecânico, com grandes engrenagens e um pêndulo, ocupando parte do compartimento. Antes, Jack e Thomas discutiram questões políticas, profissionais e existenciais. Com Sonia a conversa se expande e incorpora questões científicas, com Descartes, com a seguinte afirmação de Sonia: “- Bem, ele [Descartes] foi o primeiro arquiteto da visão do mundo como relógio, uma visão mecanicista que ainda domina a maior parte do mundo e, especialmente, para mim, vocês políticos.” Ao longo de uma caminhada pelas edificações medievais e pelo ambiente natural da ilha, a conversa vai do mundo mecanizado, mecanicista, mecânico firmado inicialmente, até chegar à Teoria dos Sistemas (System Theory, The Theory of Living Systems) que, segundo Sonia “coloca todas as idéias ecológicas [...] numa estrutura científica coesa e coerente. [...] Todos os seres vivos bem como os sistemas sociais e os ecossistemas. [...]” O filme torna-se fluente porque envolve significativamente a realidade dos personagens e traz à tona, além de questões científicas, políticas, filosóficas e ecológicas, os sentimentos, as frustrações, as expectativas de cada um, enfim, a vida. Sonia, na verdade, acha que Descartes “foi uma dádiva divina para o século XVII, mas os tempos mudaram.” Ela exemplifica inicialmente com a evolução do próprio relógio, e em seguida apresenta o problema da superpopulação. Fala das crianças que morrem no mundo de desnutrição e de doenças evitáveis. Argumenta que tal situação é “parte de um sistema maior, que envolve a economia, o meio ambiente e, sobretudo, a grande dívida do terceiro mundo” e que “o fardo dos empréstimos frenéticos não recai sobre quem tem contas no estrangeiro ou empresas, mas, sim, sobre os que não têm nada.” A reflexão sobre este tema é contundente e passa pela destruição da floresta. E toca-se fogo na floresta. E vem o efeito estufa enquanto se gasta na corrida armamentista. O que há é uma crise de percepção. Sonia diz que Francis Bacon julgou bruxas no reinado de Jaime I e fala mais contra o cientista: “[...] Bacon usou metáforas ao escrever que a natureza devia ser caçada, posta para trabalhar, escravizada. [...] Notou como ele se refere à Mãe Natureza como mulher? Como se ela não passasse de uma bruxa?” Sonia é contundente na continuação do raciocínio: “- Mas a ciência moderna, a tecnologia, os negócios não fizeram o que Bacon sugeriu, torturar o planeta? Não é a velha idéia patriarcal do homem dominando tudo?” Thomas, por ele próprio considerado um marido fracassado, um poeta faminto e um mau professor, reage em relação à idéia patriarcal defendida por Sonia e com exemplos afirma que “patriarcal” é o mal nas mulheres e nos homens. Sonia rebate o poeta com veemência falando de dois princípios em todo ser vivo, o masculino, agressivo e o feminino, gentil. Sonia, chega a ficar furiosa: “- Estou dizendo que tais princípios costumavam estar equilibrados e agora o homem, sim, o homem, criou ferramentas e armas físicas e intelectuais para desequilibrá-los totalmente. Demos ferramentas mecanizadas a pessoas sedentas de poder! Estou dizendo que vocês homens perderam o controle! [...]” Sonia insere Newton em suas considerações: “- Descartes tinha um sonho. Foi Isaac Newton que o concretizou, que o transformou em teoria científica, em poder. [...] Era um feito tão incrível para a época, que as Leis de Newton logo foram adotadas como a teoria correta da realidade, as leis finais da natureza. [...] Sonia fala da natureza da luz e para isso descreve a composição da matéria. Ela a esmiúça em detalhes. Julius Robert Oppenheimer, o físico americano que dirigiu o Projeto Manhattan para o desenvolvimento da bomba atômica, Harry S. Truman, o presidente dos EUA que ordenou o lançamento das bombas em Hiroshima e Nagasaki entram nos diálogos de Sonia. Afinal, quem é responsável pela destruição causada pela aplicação dos conhecimentos científicos? Qual a responsabilidade do cientista? Após citar trechos de Pablo Neruda, Thomas indaga: “- E as outras pessoas em seu sistema Sonia? As que você ama. E esses turistas aos quais nos achamos tão superiores, também não são como peixes presos dentro do vento? Talvez seja pior para eles, pois não tem como descrever isto. Diga-me, onde é o nosso lugar lá dentro, o das pessoas reais, com suas qualidades, desejos, fraquezas? [...].” Ponto de Mutação não é uma aula e nem uma palestra filmadas, é de fato um filme de bom cinema, é para ser visto e revisto por cientistas, por políticos e por poetas, por todos nós seres reais neste mundo tornado tão complexo pela ação de todos nós.(Arnaldo Prado Junior)
* O filme “Ponto de Mutação” será exibido dia 30/08 no Cine Saraiva (Livraria Saraiva) às 17h.

ESTREÍAS DA SEMANA
“O Ditador” com Sacha Baron Cohen, Anna Faris, John C. Reilly
“Rock of Ages” com Tom Cruise, Diego Boneta, Paul Giamatti

CONTINUAÇÕES (Destaque)
“Na Estrada” de Walter Salles Jr.

AGENDA
*Cineclube da Casa da Linguagem: Dia 28/08, exibição do filme “Assassinato” em homenagem ao diretor Alfred Hitchcock às 18h com entrada franca e debate.
*Cine Olympia: Devido a manutenção técnica, o cinema suspendeu suas atividades temporariamente.
*Cine Líbero Luxardo: “Shame” de Steve Mcqueen com Michael Fassbender em excelente atuação tem hoje seu último dia de exibição às 17 e 19h.
*Cine Estação: “Febre do Rato” de Cláudio Assis será exibido até hoje com sessões às 10h e 20:30h. Após a sessão das 10h, o cineasta Cláudio Assis estará presente no debate com o público presente.
* Cine Saraiva : Dia 30/08, na parceria da ACCPA com a APC (Academia Paraense de Ciências), será exibido o filme “Ponto de Mutação” com Liv Ullman às 17h com entrada franca e debate.

Nenhum comentário:

Coluna Cineclube - Dia 29/01/23